Por : Luan Reis
Título Original: La Dolce Vita
Gênero: Drama, Comédia
Direção: Federico Fellini
Roteiro: Brunello Rondi, Ennio Flaiano, Federico Fellini, Otello Martelli, Pier Paolo Pasolini, Piero Gherardi, Tullio Pinelli
Produtores: Giuseppe Amato, Angelo Rizzoli
País de Origem: Itália
Estreia: 03 de Fevereiro de 1960
Duração: 174 minutos
Com: Marcello Mastroianni, Anita Ekberg
“...E do riso fez-se o pranto.”
Do Autor
Muitos estudiosos da obra felliniana tentam encontrar o motivo que desencadeou a capacidade criativa e o talento genial de Federico.
Enquanto criança, Fellini teve uma infância afastada dos grandes centros culturais e não passou por nenhum tipo de privação financeira ou quaisquer traumas típicos dos grandes gênios. Pelo contrário, Fellini é filho de um casal classe média e passou grande parte de sua juventude frequentando a casa de seus avós no litoral, nada indicava a sua futura habilidade.
Mas talvez, venha desse eventual obstáculo a inventividade de Fellini para criar universos em cima de fatos tão triviais; como em “A Doce Vida”, o que poderia ser mais comum do que a história de um jornalista de celebridades frustrado com sua vida profissional e pessoal, mas como dizem os antigos: Federico consegue tirar leite de pedra e é isso que transforma “A Doce Vida” em um dos maiores clássicos simbolista de todos os tempos.
Do Título
O título obviamente pode parecer inusitado quando nos deparamos com a história apresentada em cerca de três horas de filme, afinal o ‘longa’ trata do mundo efêmero das grandes celebridades e personalidades das colunas sociais, nada de doce até aqui. No entanto, desde o título, Fellini nos ínsita para a reflexão; o que há de doce em viver uma vida de aparências, onde o mais profundo ato de sua vida se resume ao êxtase de sair à rua e ter uma chuva de paparazzi loucos para um furo de reportagem, que fará você ter incríveis 10 ou “15 minutos de fama”, como diria o antológico Andy Warhol em uma de suas frases mais célebres a respeito da efemeridade do mundo das celebridades instantâneas.
Da Obra
Sim, tudo em “A Doce Vida” soa como uma pergunta retórica, que nos converge as mais despropositadas cenas conduzidas pelas habilidosas mãos da direção, não há nada que escape ao olhar atento de Fellini, cada enquadramento, cada ângulo, cada movimento, cada elemento de cena ou cada costume é inexoravelmente bem pensado, obra de um perfeccionista nato.
Em seu melhor sentido, as cenas são quase sempre poluídas, cheias de referências barrocas de cair o queixo, a fotografia é eficiente em trabalhar com o conceito chiaroscuro, dando o efeito de profundidade e maior dramaticidade as sequências que unem em uma ordem obsessiva apelos dramáticos e sensuais, assim como deve ser uma obra barroca.
Outro detalhe que não pode passar despercebido são as clássicas cenas de desentendimento, ou seja, momentos em que a comunicação é interrompida por fatores externos, seja um helicóptero barulhento ou mesmo o som do mar, como na última cena.
A música é brilhantemente executada pelo mestre Nino Rota, que é figura carimbada nas produções de Fellini, passando a ser papel indissociável no estilo felliniano.
Dos Personagens
Além de tudo isso, Fellini também pensou na composição exuberante de seus personagens, que são de um exagero que beira a loucura, em sua esmagadora maioria possuem uma miscelânea de sentimentos, que em ritmo de montanha russa, alteram de humor e de situações como d’água para o vinho.
O exemplo mais berrante disso é a sedutora atriz de cinema Sylvia Rank (Anita Ekberg), que a todo o momento em cena parece estar sujeito a uma ação mimética de sentimentos, que a conduz as mais inusitadas atitudes, tudo isso em frente a jornalistas e fotógrafos como se nada estivesse acontecendo. Outro bom exemplo desse perfil é a amante do jornalista Marcello Rubini (Marcello Mastroianni), a dondoca Emma (Yvonne Furneaux), que sofre de perturbações mentais e logo em sua primeira cena aparece se envenenando.
No meio de tudo isso está Marcello, que parece ser o ponto de equilíbrio entre perfis tão peculiares. No entanto, essa consciência de Marcello - que se encontra perdido no meio de uma confusão de momentos indesejados, chegando ao onirismo tamanha a convergência de situações apresentadas pelo roteiro – acaba por ser seu maior vilão, uma vez que a angústia de viver essa vida frívola e intensa de jornalista de celebridades o afasta de encontrar sua verdadeira habilidade como escritor, o distanciando de seus planos remanescentes e fazendo, até mesmo, com que sua vida perca o sentido de se ser.
Do Roteiro
Apesar da grandeza visual de “A Doce Vida”, não é só a isso que a obra se prende, como pôde ser compreendido o filme se faz mais complexo do que parece, cada detalhe fora muito bem pensado e jamais pode ser ignorado, cada parte do enredo deve ser entendido como um retalho, que no final renderá ao telespectador uma grande colcha de retalhos, onde cada linha é fundamental para a compreensão da obra.
A época, Fellini fora acusado de exagerado, uma vez que a exposição do mundo da fama se mostra vulgar e ensandecida. Com um olhar atual sobre o roteiro pode-se verificar que a crítica especializada da época estava completamente errada, Federico nos entrega uma obra completamente atual, que lida com o vapor do mundo das celebridades, que amarga uma vida de aparência, onde paparazzi eclodem a cada poste, prontos para uma chuva de flashes.
Outro fator inovador no filme é o roteiro se desenvolver em blocos, não há uma história linear, mas sim um enredo que se desenvolve em partes independentes. Essas cenas ao final do filme formam um conceito de história e não um roteiro com começo, meio e fim, como o público estivera acostumada até aquele momento.
Dentre as cenas mais antológicas está a da Fontana de Trevi, onde uma exuberante Sylvia se banha; num quase ritual pagão; junto ao jornalista Marcello, esse sendo considerado por muitos, um dos mais extraordinários momentos do cinema mundial. No entanto, a sequência mais significativa do filme fica com o instante que é descoberto a possível aparição da Virgem Maria em um dos subúrbios de Roma, santa esta avistada por duas crianças que literalmente dominam a opinião pública, fazendo com que milhares de jornalistas e romeiros rumem atrás dos prováveis milagres concedidos pela Virgem; simplesmente clássico.
Por fim...
Certamente, “A Doce Vida” é dos filmes mais importantes já feitos, a transição do estilo neo-realista para o simbolista que Fellini passa a admitir, fica eclipsado em três horas da mais pura demonstração do que verdadeiramente é uma OBRA DE ARTE!
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